A RIBEIRA SUSPIRA
Li, comovido, o lamento sob o título “A Ribeira já foi nobre” da lavra de Woden Madruga, em dueto com Augusto Severo Neto, nas páginas dominicais da Tribuna do Norte (25/06/06).
Não é de hoje a insatisfação do escriba com o velho coração de Natal que padece há bom tempo por falta de gestão pública e privada.
Suas palavras, carregadas de afetuoso saudosismo, ser-me-iam mais prazerosas se pudesse voltar no tempo e reviver esses lustros idos. Não passa de dez anos que aportei por estas terras. Mas o relato entusiasmado, a quatro mãos, consegue fazer com que eu beba, imaginariamente, deste néctar sagrado: a paixão por nosso torrão.
Quero dizer de algumas experiências vividas por uma cidade em circunstâncias semelhantes. São Paulo. A cidade de onde vim.
Final dos anos 60, início dos 70, São Paulo sofreu um grande êxodo de sua nobreza econômica do Centro Velho, ou Centro Histórico (Páteo do Colégio), como queiram para a Avenida Paulista, do MASP.
Durante quase duas décadas, a degradação do centro da capital paulistana desceu a seus mais baixos níveis.
Os antigos e elegantes cinemas serviram em primeira investida para a exibição de filmes pornográficos e, muitas das vezes, de local para a sodomia, não no palco, mas nas próprias poltronas. Depois, converteram-se em igrejas evangélicas.
As poucas igrejas católicas deixaram de receber manutenção e conservação como os poucos teatros que resistiram, quando não, transformados nos palcos acima.
Bons restaurantes fecharam suas portas e proliferaram as lanchonetes de higiene duvidosa.
As matrizes dos grandes bancos brasileiros mudaram-se para a emergente Avenida Paulista levando consigo as boas agências de publicidade, renomados escritórios de advocacia; o circuito dos Jardins recebeu os consagrados consultórios médicos e laboratórios de análises.
Desnudo ficou o centro velho de São Paulo não sendo recomendado transitar a pé por aquele local quer de dia, pior à noite.
A sensação que, hoje, bate no peito de Woden e outros puros-sangues que amam Natal, acordara, no final dos anos 80, alguns paulistanos para o descaso no trato com sua cidade.
Os gestores públicos e a iniciativa privada passaram a debater o problema e algumas soluções foram encontradas e colocadas em prática.
Lembro-me que um grande entusiasta da iniciativa privada foi o presidente do Banco de Boston, cuja agência situava-se na Rua Líbero Badaró, uma das mais afetadas pelo ostracismo.
O trabalho foi lento, paulatino e já é possível ver os resultados. Não se enumeram todos, porém alguns, pois o objetivo é discutir nossa querida Ribeira, que é o local de Natal que mais gosto depois da aristocrática Petrópolis.
A Estação Sé do Metrô paulistano foi o primeiro passo para a reurbanização. Seguiram-se Vale do Anhangabaú e Estação Ferroviária Júlio Prestes. Pujante, o Mercado Central sempre reuniu a tradição de seus comerciantes de pai para filho, a qualidade de seus produtos, distinta clientela e belíssimos e impagáveis vitrais de Conrado.
Voltando à Ribeira, a inquietação existe, e isto já é um ponto positivo. Falta acertar a mão para a promoção das mudanças.
Primeiro, é preciso entender que a mudança e a restauração devam ser à moda da Ribeira com o crivo de seus agentes que a conhecem e a amam como inúmeros Wodens que existem nessa cidade.
Não adianta querer imitar o Recife Antigo ou a própria São Paulo, aqui paradigmada. Não, os pernambucanos têm suas intimidades e tradições peculiares, com as têm os paulistanos.
Natal já pecou por querer fazer da Ribeira um Recife Antigo. Lá pelo final do século que findou.
Noto em Natal alguns equívocos. Entristece-me perceber que Natal está perdendo seu glamour e está virando uma capital de Estado comum. A Via Costeira cada dia que passa perde seu encanto com a construção de seus elefantes brancos de luxo, chamados hotéis, e conseguiram destruir Ponta Negra por razões que se dispensa comentar as causas.
Não apenas as tradições de pessoas e prédios urbanos emolduram a velha Ribeira. Sua beleza natural. Seu porto, com os cais, o Canto do Mangue e pontos comerciais que lhe dão sustentação econômica, misturados ao estuário do rio Potengi, agraciado com um dos mais magníficos pôr do sol que se tem conhecimento, fazem o cenário de um inesquecível lugar para ser contemplado por qualquer amante do belo.
A diferença entre Ribeira e Via Costeira e Ponta Negra reside em que essas duas últimas sucumbiram destruídas por obra arquitetônica; a Ribeira por abandono. Ainda, assim, é um consolo saber que seu solo está preservado.
Mulher feia e mal vestida dificilmente dança em baile. O que fazer?
Tornar a Ribeira atraente.
A Ribeira, como já disse, é formosa. Falta vesti-la. Reconheçamos que ela está maltrapilha.
Deve-se afastar o oba-oba festivo, pois, inconseqüente e improdutivo.
Às vezes, o poder público perde excelentes oportunidades.
Recentemente, o Mercado Público de Petrópolis recebeu reforma e, curiosamente, o advento de inúmeros comércios (sebos, antiquários, galerias de arte, música ao vivo às sextas, etc.), embora interessante, destoa e desvirtua a finalidade de mercado público. Justamente, neste segmento para abastecimento de gêneros alimentícios o bairro é carente. Mantivessem os boxes primitivos, porém reformados, ministrassem cursos a seus concessionários - que não são proprietários; o espaço é municipal - para aprimoramento do atendimento à freguesia com higiene e saúde pública; estimulassem o comércio sofisticado de boas frutas, verduras, carnes, pescados, frutos do mar, bons frios e vinhos de variadas safras e origem e teriam dado bons destinos à versação da res publica. Optaram pelo circo.
Outro exemplo. Foi ocupado pelo poder público - não sei precisar qual órgão - o antigo galpão onde ficaram alojadas as Varas do Trabalho antes da inauguração do complexo judiciário trabalhista. Não seria o caso de reabitar a Ribeira trazendo mais entidades governamentais e ocupar os prédios ali existentes, muitos abandonados e de baixo custo locatício. Um dos maiores males da Ribeira é a falta de gente e, por conseqüência, de circulação de pessoas. Estimulando esse ponto, certamente o comércio voltará a florescer por meio de bares, restaurantes e comércios próprios para atendê-los. Sem esquecer, evidentemente, de estimular a iniciativa privada para instalação de estacionamentos de modo a retirar os veículos do meio fio e melhorar o tráfego.
O maior problema da Ribeira: a escuridão. Temeroso andar ali ao dia; à noite, mortífero.
Timidamente, já houve um avanço; deslocou-se a imprestável rodoviária antiga para outro local; o Teatro Alberto Maranhão sente-se agraciado com uma visão própria de seu ramo de atividade. Cultura. E a Ribeira casa bem com a cultura. É só querer.